Do lado de fora de sua casinha, Beirute só conhecia uma floresta densa à vista por todo redor da fazenda que morava.
Jamais vira aquele animal antes. Nem era um gato ou muito menos uma daquelas vacas que já estava acostumado a ver todos os dias.
Ela tinha uma cor avermelhada bronzeada, focinho de cachorro e um rabo peludo todo charmoso. Seu nome era Charlotte.
Ela vinha lá do alto dos montes, onde ele jamais passara a subir e explorar. Seu pai dizia que o mundo além da fazenda era um local perigoso de se viver. Jamais deveria tentar fugir ou fazer algo arriscado. Castigo viria, na certa. Embora, Beirute teimoso e enfeitiçado por Charlotte, subiu aos montes e acabou conhecendo um mundo perturbador, onde o sofrimento de todos os seres reinavam em conjunto, onde a fome e a violência predominavam, onde a desigualdade social era cada vez mais terrível, onde homens matavam animais em grandes quantidades para presentear madames com casacos de pele.
Aquilo deixou Beirute completamente assustado e viu a tristeza do mundo estampada nos olhos da pequena Charlotte. O mundo que ele imaginara ser cercado de bichos e tranqüilas fazendas como ele vivia era na realidade, abaixo daquele céu azul acinzentado, a predominância da estúpida dor e melancolia de toda a humanidade.
Jamais gostaria de voltar a ver tudo aquilo novamente, jamais conseguiria fechar os olhos e não esquecer daquilo, era um enorme choque, um enorme pesadelo, que apesar de sua pouca idade, isso não importava mais, ele conseguira compreender tudo assim mesmo – Tudo mesmo.
Não queria que Charlotte voltasse para o mundo dela, não gostaria de retornar a ver tudo aquilo com ela. Diante do presente, naquele instante, ele sentira que ela se tornara parte de seu próprio Mundo. Ela tinha o seu próprio, tinha família, tinha um lar. Mas Beirute a cativara e era absolutamente sua melhor amiga, não queria estar distante dela por tanto tempo.
Até que um dia Charlotte voltou ao seu mundo e só conseguiu enxergar destruição. Nem seu lar não existia mais. Por pouco não perdera sua família. Eles eram o de mais valioso que ela tinha em sua vida de raposa. Mas todos eles eram inteligentes, souberam arrumar um grande meio de sobrevivência, temporariamente, acima das árvores das montanhas, onde tudo em baixo o que conseguiam ver, era um mundo despedaçado em lágrimas.
Havia um novo sentido para toda aquela família de raposas e ele os aguardava. Deixando para trás os montes e o mundo das angústias que os seres humanos destruíam cada vez mais, eles encontraram em definitivo sua paz num novo lar ou talvez como eles nunca sequer tenham reparado, outras espécies viviam lá com tantas outras em harmonia, na enorme fazenda onde Beirute nascera e crescera. E era por causa de Beirute que Charlotte tinha descoberto seu destino e a salvação de toda sua família. E ele havia descoberto que poderia abraçá-los afetuosamente, de todo coração, por toda sua existência.
Já vira certa vez seu pai dizer uma frase que conhecera num filme que assistira quando criança: “Filho, não há lugar melhor no mundo do que a nossa própria casa!”. Beirute repetira isto consigo mesmo, enquanto aquecia-se na relva juntamente à pequena Charlotte com toda família e seus amigos ao redor, num fim de tarde, diante ao pôr-do sol, onde toda as essências vitais da natureza estavam juntas e felizes - Naquele precioso lar, naquele doce e eterno paraíso.
(Joyce Martins)
(Joyce Martins)